Crescer é uma dura missão para qualquer empresa, mas é um exercício especialmente difícil para aquelas que começam com estruturas menores, com “um pequeno capital na mão e uma grande ideia na cabeça”. Esta é a realidade de startups de diversos segmentos: o caminho até o sucesso nem sempre é óbvio mas, no geral, envolve muito planejamento, organização, aprendizado e, por vezes, uma pitadinha de sorte para que os caminhos escolhidos, de fato, levem até o desejado futuro de sucesso – Mesmo que de formas diferentes do que as imaginadas originalmente. Esta é a conclusão de algumas das empresas aportadas pela TM3 Capital, empresa de Venture Capital especializada em investir em startups do ramo de tecnologia. Mesmo com trajetórias distintas, executivos destas companhias compartilham histórias muito comuns em alguns aspectos.
Uma das características marcantes dos empreendedores digitais foi diagnosticada recentemente em um relatório produzido pela holding de venture capital ACE: o recomeçar é mais comum do que muitos imaginam. De acordo com o estudo, pouco mais da metade dos empreendedores que fundaram uma startup (51%), estavam em sua segunda tentativa. Desses, 39% não venderam suas primeiras empresas do segmento, e 12,8% venderam a startup inicial.
Para Marcel Malczewski, CEO da TM3 Capital, a perseverança é uma das marcas comuns a quase todas as startups que transcenderam da teoria bem embasada para o sucesso prático: “A distância entre uma boa ideia e o sucesso de uma companhia do segmento é grande, e precisa ser percorrida com atenção. Não há atalhos: cada etapa do processo é decisiva para dar ao empreendedor o know how necessário para lidar com a variedade de cenários que uma empreitada como essa costuma ter. Ter a determinação necessária para confiar na sua ideia, mesmo entendendo que às vezes ela precisará ser adaptada para funcionar, é uma das virtudes mais relevantes que um gestor de startup pode ter”, afirma o CEO.
Não faltam exemplos práticos que atestam a importância desta tal “determinação empreendedora”. Milena Nascimento e Leonardo Bastos, fundadores da startup Persora, uma plataforma digital inteligente voltada para auxiliar líderes de empresas a administrar equipes de alta performance, são exemplo do valor de uma ideia de negócio disruptiva, saber ouvir críticas, e de não desistir depois do primeiro não.
Oriundos do ramo de engenharia e sem nenhuma experiência em startups, o caminho foi árduo para os empreendedores. Eles, que trabalhavam produzindo equipamentos médicos, perceberam uma nova vocação ao desenvolver paralelamente projetos voltados à inovação dentro das companhias atendidas. Foram muitos meses de estudo tanto para melhorar o conceito da startup quanto para entender o ecossistema de inovação em que passaram a estar inseridos. Apesar de promissor, o projeto exigiu sacrifício: Marina e Bastos contam que, depois de terem decidido seguir em frente com a Persora, ficaram dois anos vivendo de reservas financeiras, sem receber salário e buscando por investidores, focados em transformar o que até então era um projeto teoricamente promissor em uma iniciativa bem-sucedida.
Durante este período, os gestores contam que tiveram algumas ofertas de fundos de investimento recusadas: “Nós entendíamos que precisávamos de capital, que estávamos sob pressão, mas tínhamos que ter um parceiro alinhado com nossas metas e expectativas. O dinheiro não poderia vir a qualquer custo, sob pena de termos que abrir mão de elementos que considerávamos vitais para o sucesso do Persora só para atender expectativas de investidores. Queríamos um parceiro que nos apoiasse e nos desse o suporte ideal para crescermos dentro do que planejamos”, afirma Milena.
Convencidos de que teriam o suporte de capital financeiro e intelectual ideais participando do Funses 1, Fundo Soberano do Espírito Santo, gerido pela TM3, Bastos e Marina tiveram dois pitchs para angariar investimento recusados antes de serem aceitos a aportados pelo fundo. Embora frustrados com as primeiras recusas, os gestores explicam que encararam o fracasso como uma etapa importante na consolidação do projeto: “Fomos entender o motivo pelo qual não tivemos nosso pedido aceito. Conversamos com outros gestores, pedimos opiniões e aprimoramos pontos importantes de nossa estratégia, o que só nos fez bem. Não tivemos medo de mudar o que precisava ser mudado” contam.
Na visão de Malczewski, o cenário mudou radicalmente ao longo dos anos, exigindo uma perícia não apenas técnica mas também mercadológica por parte dos gestores. “Anos atrás, as primeiras startups de tecnologia eram formadas majoritariamente por pessoas com amplo domínio técnico do produto/serviço que tinham a oferecer, mas com pouca ou nenhuma visão de mercado. Isso não funciona mais para empresas que estão em busca de investidores. Hoje, tão importante quanto oferecer inovação, é preciso estar apto a se apresentar de forma proficiente e vender sua ideia levando em conta aspectos mercadológicos relevantes ao seu segmento. Não há mais espaço para improviso ou amadorismo. Se antes só uma boa ideia bastava, as coisas já não são mais assim”, afirma Malczewski, ele próprio um egresso do mundo das startups.
Tal visão é compartilhada por Igor Pereira, fundador e CEO da W.Dental, startup que chegou ao mercado oferecendo planos de saúde dentários a preços acessíveis tanto para consumidores individuais, quanto para empresas. Com experiência em diferentes segmentos do mercado, o gestor encontrou um nicho promissor a ser explorado na área médica. Com base neste diagnóstico, Pereira se debruçou sobre o mercado para aprender não só sobre os aspectos técnicos ligados à criação e aprimoramento da plataforma, como também para entender e se preparar para as exigências menos óbvias do negócio: “Nós lançamos o serviço no ano de 2020 em pleno período de Pandemia, algo que não estava nos nossos planos. Não tínhamos como analisar o cenário com antecedência, precisamos aprender e nos adaptar àquela realidade enquanto a crise acontecia”, conta.
Muito em função deste cuidado em entender o cenário com uma visão mais “maleável”, a W.Dental soube se adaptar para aproveitar o crescimento e popularização de serviços online que ocorreu durante o período pandêmico. A empresa lançou um serviço de teleatendimento odontológico, uma modalidade que fez muito sucesso na época e ajudou a atrair clientes. Foi o primeiro grande insight de um negócio que, desde então, não parou de crescer. O próximo objetivo, segundo o CEO, é aumentar a base de consumidores de planos empresariais, uma medida considerada estratégica para consolidar o crescimento da startup, que recebeu recentemente aporte do Funses 1. “O investidor é um item muito importante para uma empresa do nosso porte. Um dos grandes desafios dos empreendedores de startups é ter o fôlego financeiro necessário para gerar fluxo de caixa que torne o negócio viável. O aporte financeiro ajuda a comprar tempo. No nosso caso, com o recente apoio que recebemos, estamos otimistas de que vamos ter a possibilidade de fazer as adaptações estratégicas necessárias de forma tranquila, mantendo bons índices bons índices de crescimento”, completa Pereira.
Conselhos
Em um cenário cada vez mais exigente e hostil a empreendedores mal preparados, os fundadores da Persora destacam a importância do foco absoluto nos propósitos da startup como trunfo para guiar novatos da área no caminho do sucesso: “Os períodos de escassez são histórias comuns a praticamente todos os empreendedores. Nessas horas, ter a capacidade de se manter fiel aos princípios e metas estabelecidos como vitais para o negócio é fundamental, desde que você entenda que estes conceitos são partes inegociáveis do modelo de negócio que deseja ter. Mudar é importante, mas é preciso saber exatamente o que e quando mudar. Ter um bom networking que te ofereça a possibilidade de trocar experiências faz muita diferença”, afirmam os executivos.
Pereira, por sua vez, aconselha futuros empreendedores a fazer um mapeamento adequado do cenário em que irão se inserir: “Quando desenhamos o projeto da W.Dental fomos a fundo no mercado para entender se uma startup no formato que gostaríamos de propor era viável. Foi graças a esse estudo que entendemos não apenas a viabilidade do projeto, como conseguimos, também, enxergar possibilidades além daquelas que tínhamos vislumbrado no início. Além disso, entender as nuances do momento em que a iniciativa vai sair do papel é outro aspecto a se considerar com cuidado: para nós que nascemos em pleno início da pandemia, ter feito uma boa análise do que precisaríamos entregar para sermos relevantes diante daquele cenário foi fundamental para superarmos o momento de crise global” explica a CEO.
Os empreendedores das duas companhias contam que são frequentes as conversas com outros desbravadores do universo de startups. Este apoio formal e informal tem se tornado uma marca de um ecossistema que tem se mostrado cada vez mais unido e colaborativo. Unindo forças e experiências, gestores de startups mostram que estão cada vez mais conscientes das dores e delícias de um mercado que, ao contrário do que muitos ainda pensam, não tem mais espaço para improvisos.